Lenda das canoas fantasma intriga moradores às margens do Rio das Almas, em Goiás

Em meio à beleza natural e ao passado de disputas sangrentas, o Rio das Almas guarda uma lenda que atravessa gerações em Goiás: embarcações que sobem o rio sozinhas, sem motor, sem remos e sem ninguém à bordo. A história é especialmente conhecida em Ceres, cidade da região central do estado, onde moradores dizem ver as misteriosas canoas navegando contra a correnteza — carregando, segundo a tradição popular, as almas dos que morreram em suas águas.

Segundo o historiador e geógrafo Bento Fleury Curado, a lenda foi registrada pela folclorista goiana Regina Lacerda (1919–1992), e pode ter surgido nas primeiras décadas do povoamento da região. O nome da cidade de Ceres, inclusive, remete à deusa romana ligada ao submundo, à terra e aos rituais fúnebres, o que reforça o tom místico da história.

“O nome do rio vem das muitas mortes que ocorreram durante o garimpo: disputas, doenças, assassinatos. O leito foi palco de sofrimento e conflito, e por isso acreditava-se que ele ficou carregado de almas”, explicou Bento.

O Rio das Almas nasce na Serra dos Pireneus, em Pirenópolis, e atravessa diversos municípios até desaguar no Maranhão. A região foi intensamente explorada por garimpeiros, o que deixou marcas profundas não só no território, mas também no imaginário popular.

Para o professor, a simbologia da canoa como transporte das almas não é exclusiva da tradição local. “Na mitologia grega, Caronte era o barqueiro que levava os mortos ao submundo. A ideia da canoa como veículo das almas atravessa culturas”, diz.

A lenda das canoas fantasmas permanece viva, alimentada pelo silêncio das águas e pelos relatos que se acumulam ao longo do tempo. Um lembrete de que, nas margens desse rio histórico, a linha entre o real e o sobrenatural é tão fluida quanto a correnteza que corre sobre as almas que ele carrega.